Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Certa feita, Jesus confrontou alguns líderes que confiavam em si mesmos, tendo-se por inocentes diante dos homens e justos diante de Deus. Confrontou-os porque, em vez de demonstrarem a misericórdia inerente à posição que pensavam ter, chegavam ao cúmulo da empáfia de desprezarem os outros. E então lhes propôs esta parábola: “Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo:Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”.
Ora, quem conhecia a reputação de fariseus e publicanos certamente daria uma ampla vantagem de julgamento ao primeiro. A razão era óbvia. Os fariseus eram a seita mais rigorosa e regulatória do judaísmo – cujo viés legalista trazia 613 preceitos que ordenavam a vida toda das pessoas, desde o levantar até ao deitar. E ninguém ousaria negar o que o fariseu afirmava na sua oração. Os publicanos, embora ricos, era párias sociais; eram tidos como pelegos e traidores da pátria. Eram judeus, mas trabalhavam para o governo romano; como funcionários públicos da coletoria, extorquiam o povo com cobrança de impostos exorbitantes; eram ricos, mas desprezados.
Quem você pensa que ganharia essa parada? Os observadores na praça certamente dariam um voto ao fariseu. Mas não Jesus. Ele concluiu a Sua parábola desse modo: “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado”.
O que Jesus está dizendo, em outras palavras, é isso: quem se acha “o cara” e, por isso, declara sua inocência diante dos homens e nega o seu pecado diante de Deus, não pode receber as bênçãos do perdão dos pecados e da Salvação. Mas quem se declara culpado e clama pela misericórdia de Deus, é perdoado e justificado. É simples: ninguém pode ser considerado salvo sem antes reconhecer que está perdido. Esse é o caminho do Evangelho de Cristo.
Essa situação mostrada por Jesus tem se repetido sempre. Conta-se que o famoso evangelista D. L. Moody visitou certa vez uma prisão chamada As Tumbas, a fim de orar pelos internos. Após terminar sua pregação, Moody conversou com alguns homens em suas celas e fez a seguinte pergunta a cada um dos presos: “Por que você está aqui?”. As respostas foram estas:“Sou inocente, não merecia estar aqui”. “Fui enganado”.“Acusaram-me falsamente”. “Não tive um julgamento justo”. Mas nenhum deles admitiu que fosse culpado.
Moody finalmente encontrou um homem com o rosto escondido entre as mãos, chorando, e lhe perguntou: “Qual é o seu problema, amigo?”. Ao que o prisioneiro respondeu: “Meus pecados são muito maiores do que posso suportar”. Aliviado por haver finalmente encontrado um homem que reconhecia sua culpa e a necessidade de perdão, o evangelista exclamou: “Graças a Deus por isto!”. Moody, então, falou-lhe sobre o Evangelho da salvação em Cristo e levou-o a conhecer o Senhor, a quem o preso entregou sua vida. Tal conhecimento da graça do Senhor Jesus Cristo libertou-o das amarras do pecado e o tornou um homem verdadeiramente livre, embora ainda na prisão.
Mesmo hoje, quando alguém é pego por algum crime, dificilmente se diz culpado. Se perguntado sobre o porquê de ter sido preso, alega desbragada inocência. Vá lá que um ou outro caso seja verdade. Porém, isso só vem a confirmar uma egoísta característica humana de autojustiça, que começa sempre pelo não reconhecimento das próprias falhas.
É interessante que o caminho da religião é o oposto do Evangelho. A religião ensina a fazer penitência pelos nossos pecados; o Evangelho diz a todos que se arrependam e peçam perdão, pois Jesus já fez a penitência. A religião diz que temos de fazer boas obras para sermos salvos; o Evangelho afirma que somos salvos para fazer boas obras. A religião manda que nos justifiquemos mediante o autosacrifício; o Evangelho diz que somos justificados pela fé no sacrifício que Jesus realizou em nosso lugar.
A religião diz que nós somos bons; o Evangelho afirma que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3.23). A religião ensina que temos justiça própria; o Evangelho prega que “não há justo, nem um sequer” (Rm 3.10). A religião ensina a nos declararmos “inocentes”, mas nos deixa prisioneiros de nós mesmos; o Evangelho ensina a nos declararmos “culpados”, mas nos dá a verdadeira liberdade em Cristo.
Não somos chamados para declarar inocência diante dos homens nem justiça própria diante de Deus; antes, somos chamados para ser livres em Cristo. Como disse Jesus: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.32). Você precisa fazer sua própria escolha.