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sábado, 28 de setembro de 2013

Valores para toda a vida

 
 Blog
 
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
 
  
Numa de suas parábolas, Jesus falou a respeito de certo fazendeiro que achava ter uma vida boa, mas que, finalmente, estava redondamente enganado sobre as reais prioridades da vida. O seu campo produzira com abundância. Ele pensou em destruir os celeiros, e reconstruí-los maiores ainda, para recolher todo o seu produto. Então, ele disse a si mesmo: “Tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te”.
 
Jesus obviamente não censurou a capacidade de produção agrícola desse homem nem sua habilidade de ganhar dinheiro. Mas, ao externar sua devoção à vidinha estreita que levava, pensando somente no aqui e agora, e não na eternidade, igualou a densidade de sua filosofia de vida à insanidade restrita aos loucos e irresponsáveis dessa vida. Jesus continuou dizendo que Deus lhe dissera de pronto: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?”.
 
Por fim, Jesus acrescentou a sua interpretação sobre o resultado do pragmatismo desse homem: “Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus” (Lc 12.16).
 
A mensagem de Jesus não era contra o ter, óbvio, mas contra a supervalorização das posses, quando estas vêm a substituir a real riqueza da pessoa, aquilo que ela realmente é para Deus. Afinal, o que é guardado aqui e agora em celeiros ou bancos, de fato, nada pode fazer por nossas almas na eternidade.
 
Jesus denunciava que a sociedade acostumada com a inversão de valores entre o ter e o ser, não raras vezes produziria em seu bojo pessoas que medem o seu valor, e o dos outros, pelo que “há por fora”, pela aparência, e não pela substância.
 
A sua citação da realidade inefável da morte serve para pontuar o fato de que, para muitos, é necessário a contundência da cena desagradável de um velório para demonstrar que “as coisas que se veem são temporais, mas as coisas que se não veem são eternas” (2Co 4.18).
 
É inegável que cada vez mais as pessoas carecem de sentido na vida, têm fome de significado na sua existência vazia. Alguns vivem sempre em busca de honrarias, tentando a todo custo ser celebridades.
 
Estes desconhecem que o valor pessoal que realmente conta é o que há “por dentro”. Não percebem que a “celebridade” que conta, decerto, é a que vive os valores “lá de cima”, ou seja, conhecendo a Deus e sendo conhecido por Ele. Daniel era uma celebridade no Céu, reconhecido lá como “mui amado” exatamente porque valorizava o que realmente tinha valor na vida: andar com Deus (Dn 9.23).
 
Infelizmente, a busca de muitos por sentido na vida centrada em valores errados acaba por afastá-los cada vez mais de Deus. Isso lhes deixa um vazio cada vez maior, que precisa ser preenchido com mais futilidades. Será que vale a pena se afastar assim de Deus?
 
Ora, há exemplos sobejos de que uma simples falha num processador a bordo de um satélite de comunicação pode fazer com que este saia de sua posição e se afaste da Terra. E quando isso acontece, milhões de computadores e celulares tornam-se obsoletos, simples tecnologias inúteis; milhares de empresas e milhões de pessoas são afetados; e isso tudo porque um satélite pegou um caminho errado.
 
Desse modo, quantas pessoas seriam afetadas se eu ou você nos afastássemos de Deus? Ou, o quanto eu ou você seríamos afetados por nos afastarmos de Deus?
 
Jamais devemos esquecer que Deus nos fez de um modo especialmente único, como se tivesse jogado a fôrma fora. Ninguém jamais será igual, ao contrário do que tenta impor o padrão unissex. Aquilo que cada pessoa é na essência só terá um real sentido se estiver em conexão com Deus. Assim, cabe a pergunta: Que valores há “por dentro” da sua vida? Você é o que realmente é, ou apenas tenta ser o que não é?
 
Toda sociedade constrói, ao longo de sua história, um conjunto de valores e princípios que funcionam como agentes reguladores de conduta entre os seres humanos. Destacam-se, entre estes, os valores de corresponsabilidade, partilha, sustentabilidade da vida, honestidade, lealdade, reciprocidade, cooperação, sem os quais a vida em sociedade se tornaria absurdamente difícil e descambaria para o caos.
 
Igualmente imprescindíveis, os valores espirituais se situam na esfera de nossa relação pessoal com Deus e, a partir daí, com o nosso próximo e com a totalidade da vida, os quais nos permitem crer e viver numa perspectiva de responsabilidade e esperança que transcendem o imediatismo e desembocam no eterno.
 
Nos últimos cinquenta anos, como em nenhuma outra época da história, houve uma acentuada mudança de valores, muitas vezes para pior. E essa subversão de valores consagrados tem gerado uma tremenda banalização da vida. Portanto, quando vamos nos esforçar para manter os valores que precisam ser mantidos?
 
É necessário que pensemos não só no presente, mas também nas próximas gerações. Isso quer dizer que precisamos agregar valores, não destrui-los; melhorá-los, não piorá-los; fazer coisas novas, mas sem omitir as antigas e boas.
 
Considero que é hora de praticarmos a oração franciscana: “Senhor, dá-me coragem para mudar o que pode ser mudado, compreensão para aceitar o que não pode ser mudado, e sabedoria para distinguir entre uma coisa e outra”.
 
 
 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O salão de feiura


Blog 

Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém

  
Fala-se muito de salão de beleza, no qual as pessoas pagam bem para se tornar mais belas. Mas eu gostaria de apresentar um novo estilo estético, o do salão de feiura, cuja cliente, a nossa sociedade, está pagando um alto preço para tornar-se feia e indesejada.

Tomo o exemplo ilustrativo da jovem aristocrata Rosaura Montalbani, de Florença, que era considerada a mais bela mulher da Renascença. Segundo Henry Thomas, Rosaura era tão linda que, quando chegava à janela, o povo enchia as ruas, impossibilitando a passagem dos transeuntes. Quando saía às compras, os negociantes recusavam pagamento das despesas que fizesse. Todos os dias, pescadores retiravam do rio Arno o corpo de algum jovem que havia morrido por seu amor. Todas as noites, vigilantes achavam o corpo de algum cavalheiro ricamente vestido, com um punhal no coração, por haver sido rejeitado por Rosaura.

Ela foi levada três vezes ao tribunal por amargurados pais de jovens desiludidos. A única acusação que lhe pesava era a de ser demasiado bela, de modo que os juízes ficavam tão empolgados pela sua beleza que a mandavam embora em liberdade. Certa vez ela foi intimada a comparecer perante a justiça, quando o tesoureiro da cidade, tendo dissipado com Rosaura o dinheiro público, se suicidara. Dessa vez ela foi condenada ao pelourinho. Mas ninguém quis executar a sentença e, por isso, foi de novo posta em liberdade.

O jovem duque de Florença enlouqueceu diante da visão do rosto de Rosaura e foi para uma capela onde se trancou e pintou as paredes sagradas e o teto de santos, de anjos sorridentes, de Madalenas penitentes e adoráveis Madonas, todos com as mesmas feições de Rosaura Montalbani. Mais uma vez ela foi levada ao tribunal. Desta vez, porém, uma máscara em forma de caveira foi posta sobre sua face, a fim de evitar que seu belo rosto causasse novas ruínas. Foi sentenciada à reclusão solitária e a usar aquela máscara para o resto da vida.

Quando o Grão Duque Cosme subiu ao trono, 39 anos mais tarde, e concedeu perdão geral a todos os prisioneiros, encontrou o documento que relatava o caso de uma mulher apenada sob o suplício da máscara negra, condenada à prisão perpétua, por ser demasiado bela para viver em liberdade. Cosme mandou buscar a mulher à sua presença. Quando retiraram a máscara, ele pôs‑se a contemplá‑la longa e intensamente. “Bela, essa mulher?” — murmurou afinal. Viu uma pele fanada e os olhos encovados. As feições de Rosaura Montalbani tinham tomado a forma da caveira.

Essa história ilustra o que pode ocorrer com a nossa sociedade, se submetida à clausura do salão de feiura da história, cuja máscara que está lhe sendo imposta, a da criminalidade impune, não for retirada a tempo. Estamos cercados, enclausurados, presos nos grilhões dos maus exemplos, e isso fatalmente nos enfeará a existência como sociedade.

Deixar que o mal prospere, enquanto nos encastelamos nos recantos “seguros” dos nossos lares, não nos tornará pessoas melhores. Muito pelo contrário, algumas patologias podem se instalar de modo irremediável em nossas vidas e terão o condão de podar o potencial de sermos úteis e necessários numa sociedade que precisa desesperadamente da ação responsável de todos os seus cidadãos.

Se não engendrarmos esforços e discutirmos amplamente essa questão agora, para pôr fim ao desmantelo que a criminalidade crescente vem impondo à sociedade, perderemos o que de belo existe e ficaremos “enfeados”, quando o bem for suprimido pela máscara da maldade. Seremos pessoas com o espectro da caveira, solitárias e individualistas, pois não acreditaremos em pessoas ou instituições.

Seremos pessoas medrosas. O medo pessoal e o medo coletivo nos levarão à beira de um abismo – o esquecimento de Deus e dos valores fundamentais da vida em comum – criado por nossa própria “loucura” hedonista. Como resultado, divinizar-se-á o relativo e não haverá mais absoluto, pois não haverá valores fundamentais pelos quais pautar a vida, nem Ser absoluto a quem prestar contas. O medo gera desespero, o desespero dá vazão ao ódio, o ódio nos torna inimigos gratuitos do próximo. Reféns de uma fome insaciável de significado, não saberemos mais quem somos nem para onde estamos indo.

A vida sofrerá um processo acelerado de banalização e a morte campeará à nossa espreita. A injustiça será o corolário de uma vida que perdeu definitivamente o sentido. E ninguém pode negar que esse “fantasma” já está instalado em nossa sociedade. Enfim, haverá um inexorável descrédito no futuro. Esse será o formato que a face da nossa sociedade tomará por força da “máscara de ferro” que lhe foi imposta pela criminalidade impune.

Devemos amar a Deus, acima de tudo, e ao próximo como a nós mesmos. A melhor forma de amar é tanto fazer o bem que Deus exige como também ser responsáveis em fazer o que é certo para punir o erro. E se amarmos de fato e de verdade, faremos as mudanças necessárias, mesmo que isto custe um alto preço para tirar a sociedade do salão de feiura.





segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Para que queremos a Verdade?



       Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém

   
       Um dos fatos mais pitorescos de indagação filosófica a respeito da verdade se deu, não numa reunião regular de filósofos, ou numa sala de aula de uma conceituada universidade, nem mesmo num congresso voltado para o tema, mas em um julgamento de exceção. Quando o juiz, mesmo sem prova alguma contra o réu, ouviu deste que a sua razão de estar no mundo era “dar testemunho da verdade”, perguntou-lhe de chofre: “O que é a verdade?”.

       O nome do juiz é Pilatos, governador romano da Judeia. O réu em questão é Jesus de Nazaré. O mais interessante de tudo não é necessariamente a pergunta, mas a atitude do governador após tê-la proferido, em não esperar resposta alguma do seu interlocutor. Diz o texto bíblico: “Tendo dito isto, voltou aos judeus e lhes disse: Eu não acho nele crime algum” (Jo 18.37,38).

       Bem, Jesus não dissera somente que viera dar testemunho da verdade, mas também acrescentara: “Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”. E isso foi tudo o que Pilatos não fez.

Ainda hoje, não poucos agem como Pilatos; embora desejem saber sobre a verdade, não param para ouvir a Fonte da própria Verdade (com V maiúsculo mesmo). Desse modo, convém perguntar: Para que queremos a verdade? Se a verdade é necessária para que os pilares morais de uma sociedade sejam firmes e não se rompam; se é essencial para que a paz reine sob o manto da justiça; se é imprescindível para o respeito mútuo preconizado nas leis; sim, então, por que muitos daqueles que deveriam dar exemplo de uma vida pautada pela verdade lhe viram as costas ou passam cinicamente ao seu largo, fazendo-lhe pouco caso?

Para que serve a mentira? Se a mentira tem o poder de solapar os fundamentos morais de uma sociedade, então, por que vivemos com a certeza de que a nossa coexistência social teima em permitir os valores da mentira? Por que vemos não poucas pessoas serem regidas descaradamente sob a égide da mentira e acobertadas pelo seu manto, e isso parece não incomodar a maioria?

Alguém já notou: a mentira passa diante de nós como uma torrente interminável, que vai destruindo os nossos valores morais.

Daniel Webster, em meados do Século XIX, predisse: “Se a verdade não for difundida, a mentira o será. Se Deus e Sua Palavra não forem conhecidos e recebidos, o Diabo e suas obras ganharão a ascendência... a corrupção e as trevas reinarão”.

Em março de 1921, Rui Barbosa escreveu: “De tanto ver triunfar a nulidade; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
A honestidade só viceja no terreno fértil da verdade, não no solo pantanoso da mentira.

Pode até parecer alarmista, mas há sobejas evidências de que a sociedade está num rápido descenso moral, e isso, ao fim e ao cabo, tem um preço alto e por demais amargo. As nossas instituições sofrem cada vez mais de descrédito. As nossas esperanças de um país melhor continuam sob o manto do medo de tudo dar errado. O nosso futuro, que nunca chega, parece estar escorregando ladeira abaixo nos rumos obscuros da História.

O perigo está principalmente nos filhos da mentira que esse estado de coisas acaba gerando. O filho primogênito da mentira é o Cético, aquele que duvida de tudo, cuja pauta de vida é a descrença. Ele só crê numa coisa: que não se pode chegar a qualquer conhecimento indubitável nos domínios da verdade geral ou absoluta.

A mentira pariu, então, seu segundo filho: o Cínico. Seu comportamento pode ostentar princípios e/ou praticar atos imorais e obscenidades, pois é um indivíduo sem escrúpulos; é hipócrita, sarcástico e oportunista.
Engravidada da desonra, a mentira pariu seu terceiro filho: o Crédulo. Ele crê facilmente em tudo, sem malícia alguma; é ingênuo, não pesa as coisas nem examina as ideias.

       Pilatos era um pouco dos três, por isso lhe foi normal dar as costas à verdade. Preferiu o justicialismo das ruas e o clamor da multidão ávida por “circo”, em vez do império da lei e do testemunho imponente de um inocente.
A verdade tem um único filho: aquele que de algum modo ouve a voz da própria verdade. Quem assim procede, arrisca-se a acreditar em mudanças qualitativas; além disso, leva demasiado a sério as suas obrigações e por elas tem entusiasmo; enfim, acredita na verdade, por ela vive e pode até mesmo morrer por sua causa.

É fácil ser cético e deixar tudo como está para ver como é que fica. É fácil ser cínico e fazer de conta que nada nos afeta ou que podemos tirar vantagem de alguma coisa. É igualmente fácil ser crédulo e ir passando pela vida e não viver.

Difícil mesmo é ser da verdade, é ouvir a voz de Jesus a clamar: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida” (Jo 14.6). Difícil é corresponder à verdade no burburinho da vida cotidiana, fazendo tudo ao seu alcance em prol da mudança para o bem maior que se deseja.

Afinal, para que queremos a verdade?




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