Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Numa
de suas parábolas, Jesus falou a respeito de certo fazendeiro que
achava ter uma vida boa, mas que, finalmente, estava redondamente
enganado sobre as reais prioridades da vida. O seu campo produzira com
abundância. Ele pensou em destruir os celeiros, e reconstruí-los maiores
ainda, para recolher todo o seu produto. Então, ele disse a si mesmo:
“Tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e
regala-te”.
Jesus
obviamente não censurou a capacidade de produção agrícola desse homem
nem sua habilidade de ganhar dinheiro. Mas, ao externar sua devoção à
vidinha estreita que levava, pensando somente no aqui e agora, e não na
eternidade, igualou a densidade de sua filosofia de vida à insanidade
restrita aos loucos e irresponsáveis dessa vida. Jesus continuou dizendo
que Deus lhe dissera de pronto: “Louco, esta noite te pedirão a tua
alma; e o que tens preparado, para quem será?”.
Por
fim, Jesus acrescentou a sua interpretação sobre o resultado do
pragmatismo desse homem: “Assim é o que entesoura para si mesmo e não é
rico para com Deus” (Lc 12.16).
A
mensagem de Jesus não era contra o ter, óbvio, mas contra a
supervalorização das posses, quando estas vêm a substituir a real
riqueza da pessoa, aquilo que ela realmente é para Deus. Afinal, o que é
guardado aqui e agora em celeiros ou bancos, de fato, nada pode fazer
por nossas almas na eternidade.
Jesus
denunciava que a sociedade acostumada com a inversão de valores entre o
ter e o ser, não raras vezes produziria em seu bojo pessoas que medem o
seu valor, e o dos outros, pelo que “há por fora”, pela aparência, e
não pela substância.
A
sua citação da realidade inefável da morte serve para pontuar o fato de
que, para muitos, é necessário a contundência da cena desagradável de
um velório para demonstrar que “as coisas que se veem são temporais, mas
as coisas que se não veem são eternas” (2Co 4.18).
É
inegável que cada vez mais as pessoas carecem de sentido na vida, têm
fome de significado na sua existência vazia. Alguns vivem sempre em
busca de honrarias, tentando a todo custo ser celebridades.
Estes
desconhecem que o valor pessoal que realmente conta é o que há “por
dentro”. Não percebem que a “celebridade” que conta, decerto, é a que
vive os valores “lá de cima”, ou seja, conhecendo a Deus e sendo
conhecido por Ele. Daniel era uma celebridade no Céu, reconhecido lá
como “mui amado” exatamente porque valorizava o que realmente tinha
valor na vida: andar com Deus (Dn 9.23).
Infelizmente,
a busca de muitos por sentido na vida centrada em valores errados acaba
por afastá-los cada vez mais de Deus. Isso lhes deixa um vazio cada vez
maior, que precisa ser preenchido com mais futilidades. Será que vale a
pena se afastar assim de Deus?
Ora,
há exemplos sobejos de que uma simples falha num processador a bordo de
um satélite de comunicação pode fazer com que este saia de sua posição e
se afaste da Terra. E quando isso acontece, milhões de computadores e
celulares tornam-se obsoletos, simples tecnologias inúteis; milhares de
empresas e milhões de pessoas são afetados; e isso tudo porque um
satélite pegou um caminho errado.
Desse
modo, quantas pessoas seriam afetadas se eu ou você nos afastássemos de
Deus? Ou, o quanto eu ou você seríamos afetados por nos afastarmos de
Deus?
Jamais
devemos esquecer que Deus nos fez de um modo especialmente único, como
se tivesse jogado a fôrma fora. Ninguém jamais será igual, ao contrário
do que tenta impor o padrão unissex. Aquilo que cada pessoa é na
essência só terá um real sentido se estiver em conexão com Deus. Assim,
cabe a pergunta: Que valores há “por dentro” da sua vida? Você é o que
realmente é, ou apenas tenta ser o que não é?
Toda
sociedade constrói, ao longo de sua história, um conjunto de valores e
princípios que funcionam como agentes reguladores de conduta entre os
seres humanos. Destacam-se, entre estes, os valores de
corresponsabilidade, partilha, sustentabilidade da vida, honestidade,
lealdade, reciprocidade, cooperação, sem os quais a vida em sociedade se
tornaria absurdamente difícil e descambaria para o caos.
Igualmente
imprescindíveis, os valores espirituais se situam na esfera de nossa
relação pessoal com Deus e, a partir daí, com o nosso próximo e com a
totalidade da vida, os quais nos permitem crer e viver numa perspectiva
de responsabilidade e esperança que transcendem o imediatismo e
desembocam no eterno.
Nos
últimos cinquenta anos, como em nenhuma outra época da história, houve
uma acentuada mudança de valores, muitas vezes para pior. E essa
subversão de valores consagrados tem gerado uma tremenda banalização da
vida. Portanto, quando vamos nos esforçar para manter os valores que
precisam ser mantidos?
É
necessário que pensemos não só no presente, mas também nas próximas
gerações. Isso quer dizer que precisamos agregar valores, não
destrui-los; melhorá-los, não piorá-los; fazer coisas novas, mas sem
omitir as antigas e boas.
Considero
que é hora de praticarmos a oração franciscana: “Senhor, dá-me coragem
para mudar o que pode ser mudado, compreensão para aceitar o que não
pode ser mudado, e sabedoria para distinguir entre uma coisa e outra”.