Pr. Samuel
Câmara
Na cidade chinesa de Shenzen, o
gigantesco shopping Lo Wu, com cinco andares, vende especialmente imitações de
mercadorias luxuosas. O New York Times fez-lhe a seguinte referência: “Lo Wu é
provavelmente a capital dos produtos falsificados”. Embora seja amplamente
sabido que os produtos ali vendidos são pirateados, todos os dias milhares de
pessoas viajam de Hong Kong direto para Shenzen e visitam Lo Wu, onde pagam, sem
piscar, uma centena de dólares por um produto genérico ou falsificado de grandes
marcas, geralmente de procedência duvidosa, chamados de “xing ling”.
Quando as pessoas compram imitações
de produtos, os chamados “piratas”, que custam uma fração do preço dos
originais, mas de durabilidade inferior, isto é um exemplo pitoresco da
tendência humana de valorizar a aparência externa para além da realidade.
Pode-se pagar uma boa quantia por uma etiqueta ou um “look” correto, mesmo que a
mercadoria não seja autêntica.
Essa tendência pode ser encontrada
também na área espiritual. Jesus a localizou fartamente no comportamento
religioso de sua época. Não poucas vezes Jesus acusou os fariseus de viverem uma
realidade intrinsecamente afeita à hipocrisia. Eles praticavam boas ações,
oravam e jejuavam, mas apenas para criarem uma aparência socialmente aceitável
de homens santos devotados a Deus.
Os fariseus pareciam bastante
autênticos, agiam como se fossem religiosos espiritualmente desenvolvidos, mas
seus corações estavam completamente distantes de Deus. No famoso Sermão do
Monte, Jesus traça parâmetros espirituais veementemente contrários ao estilo de
vida farisaico de sua época.
Desse modo, os fariseus poderiam ser
chamados de “religiosos xing ling”, numa alusão aos produtos genéricos ou
falsificados de grandes marcas. Eles apenas pareciam ser espirituais, mas eram
meros legalistas religiosos. Jesus denuncia que eles “atam fardos pesados e
difíceis de carregar e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles
mesmos nem com o dedo querem movê-los. Praticam, porém, todas as suas obras com
o fim de serem vistos dos homens... Amam o primeiro lugar nos banquetes e as
primeiras cadeiras nas sinagogas, as saudações nas praças e o serem chamados
mestres pelos homens” (Mt 23.4-7).
Por causa desse seu exemplo de vida,
historicamente, no sentido figurado, a palavra fariseu passou a indicar o
indivíduo que aparenta santidade, não a tendo; um sujeito hipócrita,
fingido.
Pensemos, portanto, nessa
fraqueza humana de primar muito mais pela aparência do que pela realidade. É
nesse terreno fértil que floresce o substrato da “propaganda enganosa”, qualquer
que seja o campo de atividade.
Vários exemplos podem ser evocados.
Um político de moral duvidosa, acusado costumeiramente de corrupção, mas cujo
discurso tem o dom de inebriar os ouvintes, a ponto dos mesmos esquecerem o que
realmente conta. Um pregador eloquente e bem vestido, com discurso contundente,
prometendo riquezas terrenas e um lugar privilegiado no céu, mas cuja vida está
completamente distante do padrão de Deus. Um comercial de cigarro que faz a
ligação do ato de fumar com a virilidade, a competência, a fama, o sucesso, mas
cuja realidade encoberta certamente terminará em câncer e morte.
A verdade é que, embora nos achemos
pessoas esclarecidas, de algum modo podemos rapidamente ser convencidos pela
forma como as pessoas se expressam, mesmo que tenhamos algumas questões a
respeito do que falam.
Um homem que tentava explicar o
significado da palavra oratória, fez o seguinte comentário sarcástico: “Se você
diz que preto é branco, está sendo tolo. Mas, se enquanto diz que preto é
branco, rugir como um leão, bater na mesa com os punhos cerrados e correr de um
lado da sala para o outro, isso é oratória”.
Isso é uma forma jocosa de dizer
que, em geral, as massas são movidas mais pelo estilo que pelo conteúdo. Talvez
porque muitos sofram, mas não queiram saber, de um defectível “complexo de xing
ling”. Buscam mais as aparências que as realidades. Contentam-se com o falso,
desde que isto os permita fazer expressar o status do verdadeiro.
De acordo com o apóstolo Paulo,
chegaria o tempo em que as pessoas “se recusarão a dar ouvidos à verdade,
entregando-se às fábulas”, quando se afastariam da verdadeira doutrina de Cristo
e seriam tolerantes com aqueles que descaradamente as ludibriam para que se
sintam bem (2 Tm 4.3). Devemos então analisar e avaliar cuidadosamente tudo o
que ouvimos, mesmo que seja proclamado da forma mais eloquente. Não devemos nos
permitir ser seduzidos pela aparência de um produto, ou por mera
oratória.
Na vida espiritual, precisamos ter
certeza a respeito dos que ensinam sobre a Bíblia, se estão “falando a verdade
em Cristo e não mentindo”.
Viver no terreno movediço da
falsidade, principalmente no âmbito espiritual, é prejuízo certo. Aparência e
eloquência nunca substituem a realidade. Jesus nos instrui que a única forma
aceitável de adoração a Deus é aquela feita “em espírito e em verdade”, não uma
devoção “xing ling”, que apenas parece, mas não é.
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